sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Monarquia : Os Conjurados e a Restauração de 1640

No dia 12 de Outubro de 1640 juntaram-se em casa de D. Antão Vaz de Almada (ainda hoje conhecida por "Palácio da Independência") vários conjurados, entre os quais se contavam D. Miguel de Almeida, Jorge de Melo, António Saldanha, Francisco de Melo e Pedro de Mendonça. A esta conferência assistiu também o Dr. Pinto Ribeiro, convidado não só por ser homem de grande talento como por exercer as funções de agente dos negócios da Casa de Bragança.

Falaram sobre os males de que sofria o reino e insistiram na necessidade de lhes pôr termo com uma revolução.
Todos concordaram e decidiram enviar a Vila Viçosa Pedro de Mendonça, a fim de comunicar a D. João — de facto único herdeiro legítimo dos reis de Portugal — a resolução que haviam tomado. Ainda hesitante, embora tendo escutado com grande atenção as palavras do emissário, o duque prometeu dar-lhe resposta depois de consultar o seu secretário António Pais Viegas. Rebelo da Silva narra assim essa consulta: "Tendo ouvido o duque, Viegas calou-se por um instante e depois pediu licença para fazer uma pergunta:
— No caso de o reino se constituir em república, que partido seguiria Vossa Excelência, o do país ou o dos castelhanos?
— Sejam quais forem os acontecimentos — respondeu o duque —, hei-de acostar-me ao que seguir o comum do País.
Então... — volveu o secretário — ...está dada a resposta. Mais vale arriscar tudo para reinar do que arriscar ainda tudo para ficar vassalo. A ocasião é chegada e parece que Deus a trouxe. A maior dificuldade consistia em os outros proporem a empresa, pois seria pouco seguro se a ideia partisse directamente de Vila Viçosa. Os fidalgos estão prontos e só pedem rei. Dê-lho Vossa Excelência, e encomende o mais à Providência."

Quis ainda D. João expor o assunto a sua esposa, D. Luísa de Gusmão, filha dos duques de Medina Sidónia, e portanto de origem espanhola. A lenda — ou essa parte da História que em certos passos abre as portas à imaginação — atribui a essa senhora a seguinte frase, da qual se pode dizer que, "se não é verdade, é decerto bem imaginada":
Mais vale ser rainha uma hora que duquesa toda a vida!

Mas vejamos como o historiador Rebelo da Silva a descreve: "A duquesa, que era dotada de entendimento tão claro e de ânimo tão varonil, como depois confirmaram largas experiências... julgou por mais acertado, ainda que a morte fosse consequência da coroa, morrer reinando do que viver servindo, e animou o duque dizendo-lhe que todos os vaticínios eram pela segurança da empresa, e que só a demora poderia ser prejudicial."
Tendo obtido esta resposta, D. João mandou chamar Pedro de Mendonça e disse-lhe — segundo conta D. Luís de Meneses — "que, antepondo a saúde da Pátria ao risco particular, se resolvia a aceitar a coroa para a fazer respeitada por todos os inimigos".

Os trabalhos da conspiração ultimaram-se na reunião do dia 28 de Novembro, tendo ficado definitivamente marcado, para a acção decisiva, o dia l de Dezembro. No entanto, em 30 de Novembro houve ainda novo encontro dos conjurados, em casa de D. Antão Vaz de Almada. Conta Pinheiro Chagas: "Ninguém hesitava; uns, no entanto, redigiam os seus testamentos, enquanto outros encomendavam missas aos religiosos. Nessa tarde, alguns populares mais influentes haviam afirmado aos nobres que Lisboa inteira responderia ao grito de liberdade..." Quando os conjurados se separaram, a noite estava carregada e triste. Era a última noite de escravidão. As breves horas que ainda decorreriam para soar a liberdade seriam marcadas pela impaciência, mas todos os ânimos se conservavam firmes. Dentro em pouco — pelas nove horas da manhã de l de Dezembro — Portugal ficaria livre da dominação estrangeira... ou a fúria castelhana esmagaria os audaciosos.Eram momentos de fé e de receio, de esperança e de dúvida...

E na verdade, durante essas curtas horas, o perigo de denúncia continuou a existir — já antes, Miguel de Vasconcelos fora avisado do plano da revolução e até do dia em que a acção seria desencadeada... mas o renegado, felizmente, não acreditou em tal possibilidade de aventura dos portugueses. Pinheiro Chagas conta-nos um episódio curioso... que poderia ter tido trágicas consequências: "Um dos conjurados morava em casa de um parente e amigo que não estava no segredo da conspiração. Sentindo pesar-lhe na consciência o facto de ocultar ao seu hospedeiro assunto de tanta importância, revelou-lhe tudo quando já vinha próxima a madrugada de l de Dezembro. A inquietação com que o amigo recebeu a inconfidência sobressaltou o indiscreto, que não pôde conciliar o sono quando tentou descansar algumas horas na sua cama. E essa insónia evitou as trágicas consequências que o episódio poderia ter tido. Pouco depois de se terem recolhido ouviu o ruído das patas de um cavalo, diante da porta; correu à janela e viu que o amigo se dispunha a partir. Desconfiando da possibilidade quase segura de uma denúncia, precipitou-se para a rua, agarrou violentamente o hospedeiro e ameaçou matá-lo se ele resistisse. Na manhã seguinte levou-o consigo, prisioneiro, para o Terreiro do Paço."

Mas outros episódios, de uma qualidade bem diferente, marcaram essa madrugada de l de Dezembro de 1640... tais como o de D. Filipa de Vilhena, cingindo a espada por suas próprias mãos a seus filhos Jerónimo de Ataíde e Francisco Coutinho... e o de D. Mariana de Lencastre abençoando António e Fernão Teles, os filhos que iam partir para a magnífica empresa... Havia ficado assente e recomendado a todos os conjurados o mais rigoroso disfarce na chegada ao Terreiro do Paço... e assim, pouco antes das nove horas da manhã, os fidalgos começaram a aparecer como em passeio, com um ar perfeitamente natural. Era um sábado, esse dia que ficaria para sempre registado na História — um frio mas luminoso sábado do Outono português. A pé, a cavalo ou em coches, os homens que iam restaurar Portugal iam chegando tranquilamente, e antes ainda das nove todos eles ocupavam os seus postos. Era tão completa a confiança no êxito da empresa que, tendo João Pinto Ribeiro encontrado um amigo que lhe perguntou aonde ia, lhe respondeu serenamente:
Não se preocupe. Vamos ali abaixo, à sala real, e num instante tiramos um rei e pomos outro...

Um velho provérbio latino diz que "a fortuna protege os audaciosos" (audaces fortuna juvat), e não muitas vezes terá tido tão perfeita significação...

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